segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Diário de uma tragédia

Hoje enquanto eu separava as fotos por pessoa e suas numerações, percebi que não era uma grande tragédia o que tinha ocorrido, mas sim 231 tragédias. Pensei em todas as famílias que perderam seus filhos, seus amigos, seus entes queridos e confesso que não foi uma tarefa fácil rever tudo aquilo. Ontem eu percebia aquilo que aconteceu como um todo, algo terrível que tinha acontecido, mas hoje vi cada uma das pessoas, identificadas com um numero, cada rosto e mais uma vez senti um aperto no peito. 


domingo, 27 de janeiro de 2013

Diário de uma tragédia

            Eu e um amigo voltávamos de uma formatura em Alegrete onde fomos para fotografar. Foi uma ótima noite. Fotografamos a formatura o baile, brincamos, rimos, trabalhamos, nos divertimos, e decidimos que era hora de viajar de volta a Santa Maria. Para descansar e aproveitar o domingo. Durante a viagem eu vim a maior parte do tempo tentando dormir, pois estava cansado. Durante uma parada que eu nem desci do carro meu amigo entrou no carro branco, pálido e com cara de apavorado, ai perguntei se estava bem e ele me falou que tinham ligado para ele e que havia ocorrido uma tragédia em Santa Maria, que haviam morrido varias pessoas. Eu achei que era brincadeira, pois nos dois trabalhamos na Perícia e de vez em quando fazemos comentários desse tipo para “assustar” quem esta de plantão, claro que eu não acreditei, e falei que ele não precisava falar aquilo pra mim, pois eu não estava de plantão naquele dia e que a brincadeira não teve graça. Mas ele continuou com aquela cara de assustado, e me contando o que havia ocorrido. Um incêndio em uma conhecida boate da cidade em que ele e seus amigos costumavam frequentar. Eu sempre passava na frente, mas nunca tinha ido a tal boate, pois não sou do tipo que gosta de aglomerações. Então resolvemos ligar o radio para ver o que estava acontecendo e era só o que se falava. Momentos depois, o Fotografo Criminalístico que estava de plantão ligou para o meu celular para saber onde eu estava, mas eu ainda estava a caminho de santa Maria, Cansado e a duas noites sem dormir direito. Porém não tive duvidas, disse que assim que chegasse a Santa Maria passaria em casa pegar meu equipamento e me deslocaria ate o local. Cheguei em casa falei para minha namorada o que estava acontecendo peguei minhas coisas e sai para o dia mais chocante da minha vida. Fui ao encontro dos meus colegas que estavam no local onde as vitimas estavam sendo levadas. Chegando la, eu nem tinha visto os mortos ainda e já tinha percebido que a situação era grave, imaginei que devia ter mais de cinquenta mortos mas nuca fui de me abalar com isso. Pois aprendi a conviver com a morte, pois como fotografo criminalístico estou constantemente com contato com ela.
Decidimos que iríamos nos deslocar para o local do ocorrido, para fazer a pericia preliminar do local, fotografar tudo direitinho, já que quando a equipe havia chegado ainda tinha muita fumaça e não deu para fazer o trabalho com a perfeição que a situação exigia. Chegando la me deparei com cenas que eu jamais imaginei que seriam possíveis na vida real, pessoas mortas amontoadas, aos monte, sendo levadas de caminhão, e aparecendo mais e mais e mais. Resolvi entrar na boate e la vi vários corpos pelo chão, já organizados pelos bombeiros para serem levados, celulares tocando, fuligem por todo lado, água pelo chão misturada a brincos, sapatos, pulseiras sangue e cabelos. Uma cena que eu jamais poderia imaginar, pessoas jovens como eu que tenho 25 anos, pessoas que frequentam a mesma faculdade que eu, amontoadas, pelos cantos. Quando me aproximei de um dos banheiros, vi aquela pilha de pessoas e me dei conta do tamanho da bronca... no momento vários palavrões passaram pela minha cabeça, mas decidi que aquele não era o melhor momento para comoção, pois avia um trabalho e um trabalho que exigia o máximo de minha atenção ao ser feito. Então comecei a fotografar. Tentei ver aquilo da forma mais mecânica possível, para evitar ao máximo me comover, mas foi muito difícil. Quando todos os corpos foram retirados, nos fizemos às fotos preliminares do local, pois já estava se deslocando de Porto Alegre uma equipe especializada em incêndio para reconstruir a dinâmica do que avia ocorrido e dali tirar o máximo de informações possível.
Depois desse primeiro momento, fomos para o CDM, onde estavam sendo levados os mortos. Chegando la me deparei com uma cena tão chocante quanto a vista anteriormente. Cinco fileiras de homens em um lado do ginásio e três de mulheres do outro lado, colocados lado a lado com um intervalo de meio metro cada um. E agora o que faremos? Acho que por mais profissional que se seja ninguém esta preparado para um trabalho como este. Decidimos então o que deveríamos fazer. Fotografar cada uma das pessoas e suas identificações. Quase 250 pessoas. E foi o que fizemos nos dividimos em três equipes de Peritos e Fotógrafos Criminalísticos, determinamos uma fileira para cada um e iniciamos o trabalho. Eu procurava me concentrar no trabalho, e torcendo para não encontrar nenhum conhecido, e graças a Deus isso não aconteceu. Acho que levamos mais de uma hora fotografando cadáveres de jovens estendidos pelo chão. Enquanto isso, as outras equipes (policia civil, Enfermeiros, voluntários..) desempenhavam suas funções ao nosso redor. O perito que estava me acompanhando encontrou pelo menos três conhecidas, e eu a cada pouco precisava tirar a mascara, respirar fundo e me concentrar, para não desistir daquilo tudo. Por mais que eu procurava evitar pensar nisso, aquilo que eu estava fotografando eram pessoas, jovens, com um futuro todo pela frente, que agora não poderia mais se realizar. Mas eu respirava fundo e seguia fazendo meus trabalho, pois naquele momento era importante que cada um fizesse sua parte. O cansaço das noites anteriores, somados as stress causado por aquela confusão toda, faziam os palavrões passear por meus pensamentos (puta merda, de droga hem, fudeu geral...). Já eram 13 horas da tarde e eu estava cansado e sem comer ainda, então resolvi que precisava pelo menos comer alguma coisa para continuar. Voltei pra casa, comi e a ultima coisa que eu queria era voltar pra la, quando o chefe da criminalística me ligou dizendo que a equipe de Porto Alegre havia chegado e que eu era responsável por acompanha-los ate o local da tragédia e dar a assistência que lhe fosse necessária. Para minha sorte o fotografo criminalístico que veio de Porto Alegre era um grande amigo, e tinha sido meu professor no curso de formação da Perícia. Entre uma foto, uma medição e outra, ficamos falando de equipamento fotográfico, perguntando dos colegas, para tentar descontrair, sempre mantendo o foco no trabalho. Todos os que estavam presentes foram muito solícitos no momento, Policia Civil, Militar, Federal, Bombeiros..., todos agindo da melhor forma possível para que aquilo terminasse logo. Aos poucos fomos reconstruindo a cena da tragédia, (que por motivos éticos e profissionais não irei descrever aqui) mas tudo funciona como um quebra cabeça com muitas pesas a serem montadas e aos poucos nos fomos reconstruindo os passos daquilo tudo e a sena ia se montado na nossa cabeça como se fosse o roteiro de um filme de terror.
Já era noite quando percebi que me corpo já não estava mais dando conta. O cansaço estava dominando, então comecei a fazer ligações a fim de arrumar alguém para me substituir, e dar assistência à equipe de Porto Alegre. Então um dos colegas que estavam no CDM, disse que poderia me substituir. Voltei ao local onde avia fotografado centenas de mortos, mas já não estavam mais todos la, pois alguns já tinham sido liberados, levei meu colega para a boate e pude então ir pra casa. Mas de forma alguma pude relaxar, pois apesar do cansaço não consegui dormir, ao ligar a TV o único assunto era esse, no face book a mesma coisa, então resolvi escrever esse breve relato para compartilhar minha experiência.